O Mundo

Por que não há ordem nem lição na ignorância do canhão?

21/02/2018 • 0 Comentários

Você se considera um sujeito bacana, cheio de virtudes e bons valores, não é?
Você se identifica como alguém “do bem”, correto, honesto, certo?

Se você nasceu pouco ou bem antes da década de 1980, provavelmente deve atribuir sua boa educação e criação, dentre outros, às surras que levou de seus pais quando fazia algo errado. Afinal, o problema dessas gerações de hoje em dia é a falta de tapa.

Já lhe ocorreu, entretanto, que talvez os tapas, os bofetões ou mesmo as cintadas do passado não representaram nada além de momentos em que seus pais perderam o controle da situação e só conseguiram reagir a ela com a violência típica de quem, por não conseguir se valer da inteligência da autoridade parte para a ignorância do autoritarismo, que perde a cabeça para arrancar a sua?

Já lhe ocorreu que hoje, se você se tornou o bom cidadão que julga ser provavelmente isso se deveu a inúmeros exemplos reais de atitudes sensatas e éticas de seus pais, de valores que lhe foram transmitidos por eles durante décadas de dedicação, por um trabalho de anos de acolhimento, ensinamento, cuidado, atenção e aquele tal de amor?

Já lhe passou pela mente que talvez hoje você se lembra muito mais do tapa que levou quando errou do que das longas conversas após o erro, ou das perdas de direito como consequência e da necessidade de reconquista da confiança, porque um ato de violência marca mais a memória perceptível do que vários atos de sapiência que, realmente, fizeram a diferença e ficaram guardamos na inconsciência?

Já lhe ocorreu que ao reagirmos violentamente ao equívoco do outro estamos em busca de vingança, desabafo, desopilação do ódio àquele que nos fez mal ou qualquer outra coisa que tem como único fim nos aliviar e jamais tentar consertar o equívoco daquele que errou, quiçá conscientiza-lo a não voltar a se equivocar?

Se, por acaso, você mentalizou alguma resposta positiva às indagações acima, pergunto: por que raios, então, você acredita que o exército, a truculência, a violência da autoridade, o brado e a farda em nome da “ordem” vão realmente trazê-la? Por que raios você crê que educação, correção, conscientização se dão na base do bofetão? Por que você crê que a complexidade de uma situação pode ser resolvida rapidamente na base do canhão? E paradoxalmente, por que você crê que violência vai lhe trazer segurança? Ah! É porque você crê, não é? De fato, é um ato de fé. Agora entendi.

Então, fiquemos assim. Você crê aí. E creio daqui que enquanto se quiser manter qualquer situação de “lei e de ordem” (me arrepio só de ouvir essa expressão ultrapassada – criminólogos entenderão meu temor) na base da violência e da truculência de autoridades autoritárias desprovidas de sapiência, o mar de sangue só aumentará. E no frigir dos ovos e na retirada das tropas é só o que sobrará. Como vêm mostrando milênios de história cuja memória gostamos de esquecer.

Espero genuinamente que minha crença esteja equivocada. Oro pra que esteja e choro por quem está no meio da lama dessa zona que chamamos de sociedade. Na verdade, um aglomerando de milhões de seres humanos e muita pouca humanidade. E quase nenhuma vontade concreta de transformação da realidade.

Por_que_so_ha_desordem_nao_ordem_da_violencia

Imagem: Marc Riboud, 1967

Patrícia
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