O Mundo

Por que às vezes dá vontade de desistir?

10/12/2016 • 2 Comentários

São duas da manhã e eu deveria fechar os olhos e dormir. A formatura do meu irmão já teve, ontem, culto ecumênico e, hoje, colação. Eu deveria fechar os olhos e me preparar para amanhã e sua grande consagração. O baile.

Não consigo. O peito aperta tentando segurar o coração que tenta fugir. Decepção. Frustração. Indignação.

Com receio de que minha subjetividade e sua complexidade não aguentem até segunda-feira, quando Freud e minha analista certamente me socorrerão, valer-me-ei da mesóclise e das palavras para diminuir a angústia que sinto diante da mediocridade alheia.

Para você ter a dimensão do tamanho que virou minha questão, penso seriamente em abrir mão do que tanto gosto… escrever.

Escrever para quê se tão pouca gente entende ou se propõe a tentar entender o que você tem a dizer?

Talvez dividindo a história ela fique menor e mais leve e isso passe. Vou tentar…

Pois estávamos lá. Chegamos cedo no lugar. Duas horas antes da colação começar, justamente para pegar um bom lugar. Ao adentrar no auditório, duas telas gigantes refletiam a mensagem: “por favor, não guarde lugar. Respeite o próximo.”

Mas como nessa terra quem respeita regra é bobo ou chato, a maioria ignorava o pedido e, alimentando o próprio umbigo, guardava lugar para mãe, tio e amigo.

Sem querer criar confusão porque era dia de celebração, desistimos dos lugares mais à frente, confortavelmente ocupados por bolsas, chaves e carteiras. Mas ao ir mais para trás, deparamo-nos com uma senhora que guardava uma fileira. Inteira! Sim! Inteira!

Um membro de minha família que se indigna mais explosivamente partiu para a resolução da situação, quase perdendo a razão. Eu optei por outra abordagem. Quem me conhece sabe que odeio confusão. Acredito na reflexão.

E lá fui eu explicar gentilmente para a senhora que ela tinha todo o direito de estar ali, claro, mas não era correto guardar uma fileira inteira para quem, ao contrário dela e de mim, não se dispôs a chegar cedo.

A conversa ia bem, com gentileza e educação, mas a senhora, coitada, era um caso perdido de umbiguismo e incapacidade de pensar nesse sujeito estranho e distante que o aviso da tela chamava de próximo.

Como aquele era um dia de alegria, avisei a ela para ficar tranquila que, obviamente, ninguém brigaria por lugar.

Mas ao me retirar achei por bem, sempre gentilmente, deixar uma reflexão no sentido de que não adianta só criticar político corrupto se a gente não consegue seguir regras básicas de convivência na nossa própria existência da rotina do dia-a-dia.

Pois não é que antes mesmo de terminar a fala (que, diga-se de passagem estava em baixíssimo tom) eis que ouço o pessoal da fileira de trás me vaiar e um sujeito gritar: “ah não! Não me venha com esse papinho!”

Oi?

Pois bem senhoras e senhores, ali ficou claro: rede social é um mero reflexo da vida real! E aquela minha situação remeteu-me imediatamente à do amigo que posta algo que você não gosta e, depois de criticá-lo, uma multidão lança-se em linchamento coletivo para defende-lo ou apenas agredir a opinião dissidente, sem fazer ideia, exatamente, de que talvez ela faça algum sentido. Não! Se for contra meu viés e umbigo, jamais.

E assim derruba-se quem tenta, educadamente, fazer valer regras básicas para a boa convivência do cidadão. Porque, acredite, palavras podem ser tão violentas e cruéis para o coração quanto um bofetão.

E eu ali, naquela situação (detalhe, os indignados com minha reflexão sequer conheciam a senhora guardadora de lugar), desisti, fingi que não ouvi a agressão e saí, com a sensação de que o erro era meu. Afinal, quem você pensa que é para pedir, com gentileza e educação, que alguém não pense só em quem lhe convém?

Arrumei outro lugar. Chorei de tristeza pela cegueira alheia.  Chorei de alegria e emoção com os discursos tão incríveis que vinham do palco dos formandos, daqueles jovens adultos que já sabem refletir como muitos de outra geração nunca conseguirão.

Morri de orgulho mais uma vez por meu irmão, pelos discursos de seus professores, homenageados e oradores. Como se alguém lhe dissesse, calma, você ainda não rema sozinha nesse mar de individualismo. Mas talvez eu demore algum tempo para esquecer aquela agressão pública e gratuita.

Ah, que bobagem, esqueça isso. Em algum momento esquecerei. A agressão ficará para trás mas não o que ela me representou. Essa vontade de desistir de tentar fazer alguém refletir.

Amanhã é outro dia e só de lhe contar essa história já me alivia. Mas dá tristeza em saber que para muitos, MUITOS, nossa reflexão é “papinho” desse povinho-chato-do-em-busca-do-mundo-melhor. Esse pessoalzinho que nos ofende ao defender o outro e não o próprio umbigo.

Hoje, meu amigo, deu vontade de escrever o último texto, fechar o blog, apagar a luz e continuar a melhorar o próprio quadrado, porque quando você quer entrar no do outro, gentilmente, clamando por reflexão sem confusão, vem o bofetão, no fundo da alma, apertando o coração.

Pronto. Obrigada por ouvir. Agora devo conseguir dormir e, amanhã, quem sabe voltar a refletir para desistir de desistir.

Por_que_as_vezes_da_vontade_de_desistir

Patrícia
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Comentários
  1. Lucy - 01/02/17 - 20h34

    Patricia, já estive em situação semelhante. É realmente frustrante… mas temos q continuar fazendo nossa parte . Um dia a sociedade vai evoluir pq estamos espalhando sementes de ética , educação respeito atraves de nossos filhos. Bjs

    • Patrícia - 24/02/17 - 18h02

      Lucu querida! Obrigada! Continuemos! Continuemos!

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