Alguma Outra Coisa

Por que você nunca vai deixar de viver?

09/04/2016 • 0 Comentários

Faz 11 dias que você não estará mais na sua poltrona, com os pezinhos levantados no banquinho de estofado de tricô.

Faz 11 dias que eu não vou mais te atualizar sobre as últimas notícias de nossa insólita política ou as últimas peripécias de seus bisnetos.

Faz onze dias que eu chegarei na sua casa, às sextas-feiras, para um cafezinho depois do almoço, ou aos domingos para um lanchinho no fim da tarde e você não estará lá.
Faz onze dias que a verdade é que eu ainda acho que estará…

Faz onze dias que você não está mais aqui. Mas está. Porque não tem e não terá um só dia em que não vou lembrar da sua voz, de seu delicado e discreto e, paradoxalmente (ou não), forte jeito de ser como foi.

Ainda é difícil acreditar que você se foi. Mas fica a certeza absoluta do quanto sempre fomos unidos e reunidos graças a você, com você, à sua volta.

Incrível como você, com tanta sutileza e firmeza, sempre nos manteve tão perto. É a verdadeira realeza que tem seus súditos não por obediência ou temor, mas por admiração e amor.

Ah… Esse tal de amor…
Faz onze dias que descobri como fui abençoada por só conhecer agora, aos 37 anos, a dor da perda de um amor que não se terá mais na presença da carne e só na lembrança da alma.

É verdade que você já (ou só) tinha 79, 4 filhos, 6 netos e 2 bisnetos. Parece muito e o suficiente para o ciclo da vida que um dia acaba inevitavelmente. Parece e deve ser. Mas quando a gente ama e tem a presença visceral de alguém em nossa vida não importa a idade que ela tem quando a deixa para viver em outro além.

É que a gente quer sempre mais. Por isso se conforma quando a vida foi longa e próspera. Mas a dor… Ah meu amigo… Essa dor ai não é menor porque a idade é maior. E dói viu. Dói fisicamente em algum órgão que não se sabe qual, exatamente.

Deve ser no coração. Dói como se lhe arrancassem um pedaço, assim, de verdade, com faca. E, ao que tudo indica, o buraco ficará ali. Com o tempo aprenderemos a lidar com ele. Afinal, como é do humano, mais cedo ou mais tarde aprendemos a nos acostumar com o que não queremos.

Como diria meu cunhado, infelizmente não dá para adiantar o tempo para o momento futuro em que já teremos aprendido. Tem que viver esse aprendizado dia após dia nessa rotina que às vezes, no começo, parece cruel…

Mas se o tempo curará a ferida fazendo-nos saber lidar com a cicatriz, ele não será capaz de lhe apagar um só centímetro, nem por um triz.

Sua voz firme, seus traços leves, sua personalidade forte, seu humor sensível, sua pequena braveza que incrivelmente não colidia com sua delicadeza, sua simplicidade, sua educação, sua bondade, sua doação, sua dedicação.

Isso sem falar nas suas mais divertidas peculiaridades: as teorias da conspiração, uma crônica irritação (especialmente com algumas manias do marido), essa coisa engraçada de você o chamar assim e ele lhe chamar de “mulher”, a teimosia incorrigível, os termos dos antigos: alpendre, pulôver, sombrinha, chofer… Ainda os ouço em sua voz…

Ouvi dizer que o luto passa quando cada um tiver herdado alguma coisa que era sua. Herança de alma e não de patrimônio. Porque seu maior legado é tudo aquilo que tantos anos nos ensinou, talvez sem a real noção do maravilhoso poder que teve em suas mãos. O da construção. E veja que família incrível saiu daí. Imperfeitamente perfeita.

E já se vê quem herdará o cuidado com os gatos, o cuidados com os outros, o cuidado com a xícara que não pode ficar sem o pires, o cuidado com as violetas. Até seus domingos na missa já ganharam a mais improvável sucessora!

Veja vozinha, de onde você estiver, quanta coisa incrível sua gente vai continuar.
E que continuemos porque, assim, sempre a teremos. E se não será mais possível tocar sua frágil e delicada mão, manteremos todos os seus detalhes vivos no coração. Na ação. No dia a dia da vida sem você como se ainda a tivéssemos. Sempre.

E se ainda vai um bom tempo até conseguirmos tirar o peso do que foi seus últimos dias até seus derradeiros suspirinhos, não haverá tempo que apagará o que mais importa: você como, de fato, sempre foi.

Que consigamos manter um décimo de seu poder em nos ter juntos, um centésimo de sua capacidade em fazer tudo para o bem estar alheio ainda que em detrimento do seu, sem ter como motivação qualquer troca, mas a incondicional doação, um milionésimo de seu delicado e dedicado cuidado.

No mais, só tenho a lhe agradece por me acolher, por me fazer crescer, por cuidar da minha carência, da minha infância, da minha existência, do meu enxoval de casamento, dos meus lamentos.
Por sempre me apoiar ainda quando eu sabia que você rezava para o Padre Rodolfo me mudar de direção.
Por se orgulhar, quando eu mesma duvidava de minha realização.
Por se despedir deixando claro que, assim como o meu, no seu coração a relação era maior do que o padrão.
Por ainda me deixar uma última e incrível lição: sempre seguir meus instintos, independente de esperar do outro uma aprovação que satisfaça meu complexo de rejeição.

Enfim… obrigada por ter vivido esse tempo entre nós, que sempre vai parecer pouco, porque nunca se acha que se vive o suficiente com quem se ama visceralmente, e jamais morre com o tempo que passa para os que ainda vivem.
E não se esqueça: meus sonhos estão de portas abertas aguardando sua visita, até que nos reencontremos novamente em algum lugar que ainda é desconhecido de nossa mente.
Até breve, vozinha. Até breve…

por_que_voce_sempre_vai_viver

Patrícia
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