Pais e Mães e Filhos

Sobre trabalhar e cuidar, sem sair do lar

13/01/2016 • 0 Comentários

Nada melhor do que estar do outro lado para entendê-lo. É que do lado de cá a gente acha que sabe tudo o que se passa no outro, sem nunca ter estado ali. Claro, para quê? Não precisa ir lá. Daqui do meu enxergo o outro e isso já é suficiente para formular todas as minhas certezas. Tem certeza?

É que eu só trabalhava e, quando dava, cuidava dos filhos. E achava que só quem cuidava não fazia era nada. Mas por questões paralelas passei a cuidar muito e, nas horas vagas, trabalhar. Pois é… veja que coisa. Acabei mudando de lado e provando o gosto do próprio veneno que um dia lancei contra quem fazia o que hoje faço.

Perdoem-me amigas que não trabalham e só cuidam, se um dia fiz pouco caso de seu ofício. Fui injusta e preconceituosa, achando que o meu expediente, entre reuniões e petições e contratos e negociações era muito mais louvável que o seu.

É que achava que você só ficava aí de bobeira. Achava que era baba de ovo passar o dia organizando a brincadeira, o lanche, o banho, o tempo que pode jogar joguinho, o tempo da TV. Achava que não era nada passar a tarde apartando briga. Segurando a vontade de brigar junto. Segurando a mão que tem vontade de apertar forte aquele bracinho para ver se o corpinho para quieto. Explicando o que lhe é óbvio, para quem o óbvio é chorar até ter o que se quer. Respirando fundo para manter a calma, para não gritar junto com eles quando gritam porque não conseguem se acalmar.

E aí a pessoa entende porque a paciência é uma virtude. Aliás, é o grande diferencial no currículo-da-mãe. E a quantidade necessária é proporcional ao tempo destinado ao ofício. Ah! Mas eu falo inglês fluente. Grande porcaria! Não é fluente em ser paciente? Esquece… a vaga não é sua.

E nem pense em pleitear salário, pagamento de hora extra ou décimo terceiro. Folga só quando for ali no salão fazer as unhas (se não tiver que levá-los). Férias são raras. E, não se iluda, quando estiver ali relaxando com o marido vai lembrar do trabalho que deixou na casa da avó e vai apertar o peito de saudade.

Dizem que aboliram a escravatura. Só se for a sua. Aqui é regime de quase escravidão, com direito a chibatadas daquelas que trabalham fora o dia todo e têm a certeza que você não faz nada. Eu sei… é que já peguei nessa chibata várias vezes.

Mas agora, do lado de cá, ainda que temporariamente, dá para falar. Dá saudade de sair de casa para descansar, quer dizer, trabalhar. Dá saudade de tomar um cafezinho no meio do expediente para tentar resolver melhor o problema do cliente.

Mas aí você olha sua mini clientela, que te demanda insaciavelmente (quanto mais você fica, mais eles te querem), remunerando-lhe como ninguém o faz. O pagamento é à vista, em beijo, em carinho, em carinha de quem está feliz porque está com a mãe. E o maior bônus não vem agora. É investimento a longo prazo. Vai demorar. Alguns anos talvez. Quando eles crescerem e lembrarem que você passava a tarde organizando a brincadeira, o lanche, o banho.

Moral da história número um: não é fácil para quem passa o dia fora e só cuida nas horas vagas.
Moral da história número dois: não é fácil para quem só cuida.
Mora da história número três: não tá fácil para ninguém. Então é melhor guardar aí a chibata porque não tem história mais certa. Tem a melhor possível que cada uma faz, cheia de certo e errado. E nunca se sabe qual será seu próximo lado.

Profissao_mae

(imagem: revistacrescer.globo.com)

Patrícia
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