O amigo olha ali o filho do vizinho no ápice de um ataque de fúria. Um pequenino menininho com uma força vocal de gente grande. Ele brada, urra, esmurra. É a manha como se não houvesse amanhã. Assusta. O amigo, o vizinho, a vizinhança. Alguém dê um jeito nessa criança!
A gente dá, amigo. A gente dá. E não fugimos à luta e à consciência da responsabilidade que carregamos nos ombros, por criar quem carregamos no colo. Sim, somos responsáveis pelo jeito que o orientamos, educamos, criamos. Somos responsáveis pelos caminhos que traçamos.
Mas nessa história, por mais que estejamos ali escrevendo o roteiro e produzindo o cenário, é bom que se compreenda e não se esqueça quem é a verdadeira protagonista: a criança.
Sim, meu amigo. Esse pequeno ser de capacidade gritante estrema também detém um poder que, muitas vezes, é objeto de nosso desdém: a sua própria escolha. É que se nossas crianças precisam muito de nossa orientação, no final do dia e no começo da birra, por mais tenra a sua idade, há um pedaço da produção que não pode ser desconsiderado, sua personalidade.
E como ser pai e mãe é boiar no mar da culpa, é preciso cuidado para não se deixar afogar ou, pior, não deixar que o amigo e o vizinho lhe dêem um caldo daqueles que se fica um tempo sem respirar.
E nessa história toda, aceitar-nos como grandes coadjuvantes mas não o ator principal, além de acalmar o martírio pela suposta escolha equivocada do filho, dá um certo alívio por compreender e, quiçá, respeitar que essa criança, como tal, é passível de ser racional e, assim, apta a já ter um pequeno e discreto esboço de discernimento do que é do bem ou do mal. Seja lá o que se entenda por bondade ou maldade. Por certo ou errado. Por isso ou aquilo ou acolá.
E para aqueles bons e velhos narizes que teimam em entortar, deixemos claro que a reflexão aqui não se trata de defender a liberdade ampla, geral e irrestrita da criança. Como pequenos serem em formação, ainda não têm eles, claro, a aptidão para, sozinhos, tomarem as rédeas de qualquer decisão.
Mas compreender que suas personalidades vão se construindo como a colcha de retalhos da vovó, com influência de nossas próprias escolhas e orientações, mas também, com suas próprias e únicas percepções, deixa essa árdua, incrível e difícil tarefa de educar mais leve e com menos culpa.
E aqui nessa altura da reflexão, devo lhe fazer uma confissão. É que sempre fui a primeira a levantar a mão para assumir a culpa pela cena do filho ali, esperneando no chão. E, assim como o amigo, apontava o vizinho como o culpado exclusivo pela birra de sua cria. Mas o bom da vida é que ela passa, a gente cresce e amadurece e percebe que, se teoria é bom e útil para a orientação, é ali na prática do dia a dia com a criança que se aprende coisas incríveis e, especialmente, que não há teses invencíveis. Há ação, reação, tentativa, acerto, erro. E, ali no meio, nossas escolhas amadurecidas pela idade e as próprias vontades desses pequeninos seres, de acordo com suas distintas personalidades.