A essa altura do campeonato, sabemos que nossas crianças não são como as que fomos. Sabemos que nós não somos como foram nossos pais. Sabemos o quanto somos, tantas vezes, criticados por isso, por ter mudado, por não ter mudado, por ter criado, por ter ficado, por ter saído para ter trabalhado. É engraçado. A maioria dos textos sobre criação de filhos sempre aponta e pisa em algum calo. E, claro, temos vários.
Temos porque por mais banal e usual que possa parecer essa coisa de ter filho, a tarefa de (bem) educá-lo é um dos maiores desafios da humanidade. Ou, pelo menos, é o que nos faz parecer ao pegar o tema para ler e, principalmente, ao ter em casa um exemplar desse incrível e instigaste pequeno ser. E, ao que tudo indica, ou o que nos indicam os especialistas, estaríamos sempre falhando em algum ponto. Será mesmo? Até que ponto?
Talvez um pouco, sim. Mas tanto assim, tenho cá minhas dúvidas. É que viver é fazer e tentar e acertar e, sim, errar. E, sobretudo, evoluir. Mas de tudo o que sempre sai por aí, ainda não vi uma abordagem que tratasse de uma questão que ouso, agora, colocar sob reflexão. Lá vai:
De fato, não dá para negar que, atualmente, a criança está, digamos, menos obediente. Mas seria isso um problema a ser duramente enfrentado ou ela mesma está nos mostrando que o tradicional educar deve ser diferentemente abordado, revisado, repaginado?
Dentre as hipóteses, venho me agarrando à última. É que outro dia eu já dizia que a própria escola nos coloca objetivos um pouco incompatíveis com a simples obediência. Porque se esperam que nossos pequenos sejam pensadores e indagadores, parece um pouco lógico que eles passem a questionar as regras e os comandos que lhes são postos.
Veja. Antes que a família ao lado me acuse de promover a malcriação, deixemos claro que não se deve confundir alho com bugalho. É que aprender a ter limite, respeitar regra, respeitar o outro e lidar com a frustração é fundamental na criação.
O motivo da ora indagação é se a abordagem pela qual queremos chegar na tal boa educação não deve mesmo se afastar dos tradicionais métodos de criação.
E, então, peço licença para me valer da legislação, mais precisamente da Constituição, para continuar a expor a reflexão. É que em 88 nosso Direito Infantojuvenil positivou ali na norma constitucional a tal Doutrina da Proteção Integral. Explico em breve rima, por que isso aqui não é artigo jurídico. É que antes o menor era simples objeto de proteção, e nossos olhos e os da nação só prestavam atenção no menor abandonado ou no menor delinquente. Aliás, justamente pela má conotação que vem à mente, o termo “menor” foi substituído por “criança e adolescente”.
E vamos em frente. Então, desde 88, lá na Constituição, a criança e o adolescente passaram a ser considerados sujeitos de direitos como a gente. Porque a lei não trata mais de uma simples proteção, mas de diversos outros tantos justos direitos: educação, lazer, cultura, locomoção, liberdade, prioridade.
Trocando em miúdos, se a própria lei mudou a abordagem e, nossa experiência mostra que, normalmente, há uma defasagem da legislação em comparação à evolução da sociedade, parece lógico que em casa não dê mais para fazer como na época de nossos pais. Inclusive porque, justamente, a própria legislação assim não o faz.
E é mesmo curioso que quando se ouve por aí que a criança de hoje não é mais obediente como era a de antigamente, esse divisor de águas da época da obediência parece coincidir com o começo da década de 80. Em outras palavras, seria uma grande coincidência que até a minha infância (ali por oitenta e poucos) ainda se achava boazinha e educadinha a criança? Não estaria ali, então, algum indício do início da mudança?
Então esse começo de reflexão realmente me faz crer que estamos mesmo mudando o formato da criação e, consequentemente, o jeito como a criança é olhada, estimulada, incentivada a não sair mais por aí simplesmente aceitando qualquer não antes de alguma explicação. Daí porque talvez se dê essa impressão de que estamos sempre errando, seja porque olhamos muito para elas, ou porque não olhamos, ou porque controlamos, ou porque muito libertamos, ou porque gritamos, ou porque não gritamos, ou porque muito conversamos, ou porque não os ouvimos, ou porque muito explicamos, ou porque, simplesmente, mandamos. Ou por qualquer outro motivo que seja contrário daquele que alguém achou que seria o certo.
E dá a impressão (ou seria uma ilusão? Acho que não…) que no fundo talvez estejamos errando muito menos. Adaptando e evoluindo, muito mais. Porque, de fato, não dá para ser como foram nossos pais. Porque nossas crianças, em relação às que fomos, não são mesmo iguais.
E todo esse processo de adaptação dá mesmo um trabalho do cão. Porque não tem receita de pão. Por isso vem aqui um singelo pedido ou desabafo aos especialistas que nos abram um pouco o espaço para respirarmos. Para, de fato, enxergarmos, pensarmos e decidirmos o tipo de relação que queremos construir com essas novas gerações de crianças e adolescentes que não são mais simples menores. São muito maiores. São pensadores e questionadores. São desafiadores. São difíceis. São ansiosos. São incríveis. E, sobretudo, são ainda só crianças, demandando nossa paciência, nossa sapiência, nossa orientação e atenção e, porque não, compreensão.
(Imagem: gabaritoaulas.blogspot.com)