O que é isso menina, falando palavrão assim em público? Não tem vergonha, não?
Não. Já tive, agora não mais. É que se a gente defende a tal dignidade da pessoa humana logo vão nos grudar rótulos.
Mas quem é essa fulana, afinal? Pois é… é uma que anda sumida da vida. Dos livros não.
Ela já morava lá no Código Civil, agora lhe arrumaram um quartinho no novo Código de Processo Civil, para desespero de muitos colegas. Pronto. Agora babou. Ninguém mais vai conseguir despejar o velhinho safado que não paga aluguel.
O infeliz, além de inadimplente, não tem outro lugar para morar e vai ter que ficar aqui no meu.
É dona dignidade da pessoa humana, não é fácil ser você. É que sua imagem é bonita ali na página e no discurso. Mas na hora do cara a cara, ninguém quer te encarar. Aí você vira uma versão de Medusa. Ninguém quer te olhar nos olhos. Dá medo e nos paralisa.
A gente lembra que você só é boa se não for com a gente. É que dignidade da pessoa humana no caso dos outros é refresco. No nosso é perda de tempo e, pior, dinheiro.
E o colega ou o cliente ficam indignados. Você está sugerindo que o velhinho safado fique lá morando de graça na minha casa? Calma, senhor locador, não diga o que eu não disse. Estou aqui apenas apresentando-lhe a moça. E te mostrando que ela realmente existe e para que ela serve. Não, não é para acabar com você. Mas para que enxergue um pouco além de seu umbigo. E para que você dê uma olhada com outro olhar no velhinho que não lhe paga.
Veja bem. A idéia não é convidá-lo para morar na sua casa e dividir sua cama e sua mulher com você. É só para que enxergue que, por mais estranho que isso possa parecer, ele é, tipo assim, gente. Não é incrível? É uma pessoa!
Eu sei que você esqueceu que ele tem direito de ser humano. Às vezes acontece. É para isso que serve a tal da dona dignidade. E se você assim o enxergar, talvez consiga formatar um outro tipo de acordo, um que ele consiga pagar.
E aí ele paga, arruma outra casa e para de te dar prejuízo. Que tal?
O senhor locador ainda não está muito convencido. Tudo bem. Daremo-lhes um tempo. Afinal, ele acabou de conhecer de verdade a dona dignidade.
Quando a gente tem uma má impressão de alguém é difícil arrancá-la de uma vez. Logo mais ele percebe que ela não é tão ruim e ameaçadora assim. Que ela pode resolver o problema dele sem ter que passar por cima do corpo já morto.
Aliás, isso me lembrou que dizem que chutar cachorro morto é feio. E gente? Depende. Se não for gente e for gentalha pode.
E a dona dignidade ouve isso e tem vontade de desistir. Mas a gente que gosta de gente lhe dá um tapinha nas costas e lhe lembra que ela é do bem. Um pouco mal compreendida. Só isso.
(Imagem: oclarim.com.mo)