E naquele formato de organização da razão, falemos de um tema sobre o qual, absurdamente, ainda causa dilema e é visto como um problema.
Valho-me do “absurdamente” porque fica difícil entender as razões pelas quais, em pleno século XXI, alguém ainda se incomoda ou reclama da escolha de outrem sobre quem ele quer dividir a vida e a cama.
E como essas tais “razões”, apesar de alguns não as enxergarem como homofobia (sim! vamos dar os nomes corretos aos bois!), ainda são muito difundidas e declamadas em narrativas inflamadas de ódio, preconceito ou “inofensivas” piadas, valer-me-ei de algumas delas para indicar porque não dá mais para aceitar:
1. Isso é anti-natural.
Alguém já te contou que na época das cavernas natural era sair para caçar?
Alguém já lhe lembrou que até maio de 1888 era natural no Brasil ter um escravo?
Alguém já lhe explicou que antes de se pensar em método anticoncepcional, natural era ter todos os filhos que a biologia lhe proporcionava?
Então… parece-me que natural é o tanto de evolução social (com alguns infelizes retrocessos, é verdade) que alcançamos desde as cavernas até nosso contexto atual.
Portanto, é melhor achar outra suposta lógica que não uma razão biológica para seu discurso de aberração, que não cola mais, não.
2. Isso é pecado.
Aqui sugiro a leitura da reflexão “Porque só dizer ‘amém’ não te faz uma pessoa ‘do bem’?”. Ali a gente fala bastante sobre o Deus do amor versus o Deus do pavor, esse aí que você prega quando condena o amor do outro porque é diferente do seu, e acha que só indo à missa e lendo a Bíblia vai ser um sujeito legal, enquanto prega o ódio e o desrespeito por alguém não que lhe está fazendo qualquer mal.
3. Isso é uma pouca vergonha.
Amigo…sabe o que dá vergonha? A ambição desenfreada em juntar milhão, via corrupção, às custas de milhares de pessoas que não têm sequer um pão para uma refeição, além daquele que o diabo amassou.
Dá vergonha ver a incoerência de alguém sentindo nojo de um casal gay, enquanto acha normal se gabar por ser o maioral que pega todas as menininhas mesmo quando elas, na verdade, lhe dizem não e você, simplesmente, arranca-lhes as calcinhas.
Dá vergonha ouvir alguém que não tem qualquer outra razão senão uma suposta moral que serve para condenar a cama do outro, mas não para avaliar o próprio coração que é incapaz de compreender que a vida, o amor e o prazer carnal do outro não lhe pertence.
Portanto, antes de achar que vergonhoso e errado é o menino que tem namorado, sugiro desviar o olhar do lado e manda-lo para baixo, aí no próprio umbigo, para avaliar melhor quem é que está equivocado.
4. Um gay me paquerou, isso é nojento!
Meu amigo, se essa abordagem lhe causou tanta aversão (vamos lá, deve ter sido só um olharzinho para verificar se seria correspondido), você precisava ser mulher por um dia, para sentir o que é passar por um sujeito que lambe o beiço ao olhar seu peito. Ou que sequer disfarça quando você passa, e se encolhe, se afunda, não importa, desde que consiga olhar, bem olhado e na sua cara, para sua bunda.
Aliás, é bem provável que você, com todo esse ódio e desgosto, já tenha feito, e muitas vezes, exatamente o que nos faz tipos como esse desagradável moço.
Então, se te incomoda quando um gay lhe aborda, que bom. Assim, você pára também de nos incomodar achando que vamos adorar esse olhar de quem quer nos devorar.
Ah! Detalhe: nós não odiamos todos os homens do mundo só porque alguns deles esquecem que uma mulher não é um pedaço de filé.
Então, você entendeu que não vai mais colar essa suposta razão para condenar quem não deseja aquilo que você faz tanta questão de mostrar que quer abocanhar, achando que assim a gente vai lhe dar?
5. Ok você venceu mas não meu convenceu, fato é que não gosto de gay. Pronto. Falei.
Nesse caso, meu amigo, talvez o que lhe domina seja só mesmo um preconceito irracional que não tem nada a ver com moral (a falsa talvez, mas não a real), mas com uma ignorância cultural de achar que só há um padrão para formar um casal. Se for isso, há esperança, quem sabe, de um dia você perceber que quem está equivocado não é o outro que só está ali amando, mas quem está aqui o odiando.
Agora… se essa fobia toda não guardar só um preconceito mas, quem sabe, algum segredo escondido, como um desejo enrustido de fazer exatamente aquilo que você diz ser abominável, nós temos a solução: venha ser feliz! Liberte-se e largue esse calvário! Venha correndo que estaremos te esperando de braços abertos para te acolher e te respeitar quando você decidir sair do armário!
E para terminar, é bom deixar claro, em alto e bom som: quem me conhece sabe que busco, antes de tudo, a ponderação. Mas hoje a reflexão também vem acompanhada de confissão: não consigo mais ponderar ou tolerar qualquer discurso que desrespeita o que tanto prezo: o ser humano e sua liberdade de escolher como e com quem viver.
Então, meu amigo, se você realmente vai continuar a abominar, odiar ou “só” ridicularizar, sendo incapaz de se colocar a refletir sobre suas questões com a orientação sexual alheia, vou-me embora sem demora. Cansei. Estou fora. Mas antes, deixo-lhe uma dica derradeira: mais amor, muito amor nesse coração e, para a sua fobia, terapia.