Outro dia eles estavam ali assistindo o canal GNT quando começou o programa “Amores Livres.” Aquele lá que mostra assim, na nossa cara, escancaradamente, as reais relações que transcendem o padrão-moço-com-a-moça.
Começou o desconforto. O Sr. Preconceito e a Dna. dos Bons Costumes se agitavam no sofá. Isso é um absurdo! Uma aberração! Liga lá no canal e manda tirar do ar!
A Dna. dos Bons Costumes, muito indignada, bradava que já tinha se acostumado com o bumbum extrovertido que gosta de aparecer ali no final da saia-cinto. Que já não mais se incomodava com o seios calorentos que adoram pegar um vento ali no vão livre do decote. Que não mais lhe escandalizava o fervo explícito ali na novela das 9 (ou 10 ou 11), desde que fosse naquele padrão-moço-com-a-moça. Mas ter que ver assim, o beijo e o carinho do Amor Livre, já era demais. Isso não!
O Sr. Preconceito, acostumado a viver escondido de baixo da cama, pronto para puxar o pé de quem lhe contraria, está tão chocado que mal consegue falar. Só treme.
E então, lá da cozinha, o Sr. Bom Senso ouvindo a gritaria, caminha até eles na tentativa de socorrê-los com um pouco de sabedoria. Ao olhar ali o programa na TV, suspira. Interessante esse tal de “Amores Livres”. De fato, nada mais livre, mais honesto, mais humano, mais sensível e tão incompreensível.
Ele se senta ali no meio dos indignados e, com calma e ponderação, explica-lhes. Calma minha gente. São só pessoas sendo felizes nos seus próprios formatos. Sem prejudicar ninguém.
Mas a Dna. dos Bons Costumes não se convence. Sem prejudicar uma ova! Esses libertinos estão prejudicando a minha mania de achar que o nosso formato é o único certo, aceitável, digno de respeito.
O Sr. Preconceito toma coragem e urra: No fundo somos bichos e bichos estão aqui para se juntar e procriar! Por isso que isso aí não dá para aceitar!
O Sr. Bom Senso tenta distraí-lo. Meu amigo, então talvez seja a hora de queimarmos em praça pública as cartelas de pílulas. Essas bruxas que as moças ingerem mensalmente impedindo seus instintos naturais de reprodução, liberando o pecado do prazer pelo prazer.
O Sr. Preconceito se aquieta. Hum… talvez esse velho Bom Senso tenha alguma razão. Se já superamos essa discussão dos contraceptivos, talvez dê para pensar um pouco mais para frente.
O Sr. Bom Senso dá-se, por ora, por satisfeito. É que o casal ali indignado ainda precisa digerir o tal Amor Livre. E entender se aquilo realmente lhe faz algum mal ou se só cutuca, incomoda e chacoalha os velhos e empoeirados paradigmas a que está tão acostumado.
E o Sr. Bom Senso é justo e sabe que os dois ali precisam de um tempo. Não é fácil lidar com séculos de repressão, conceitos, pré-conceitos e ideais de pudores e moral e etc. e tal tão enraizados ali dentro.
E compreendemos. É que o Sr. Preconceito sofre de seu próprio veneno. Porque às vezes sente vergonha dele próprio e de reconhecer que ele está ali sempre à espreita para atacar o que lhe foge de seu padrão.
E depois de compreender o choque, ouvir os brados e acalmar os bravos, o Sr. Bom Senso acolhe o casal já não tão indignado, com a esperança de que o bom e mais sábio de todos, Sr. Tempo, seja capaz de libertá-los dos conceitos que pré-conceberam, deixando livre e em paz o amor dos outros.
(Imagem: the secret.tv.br)