As Leis

Por que não sabemos cuidar de nós mesmos?

24/02/2016 • 2 Comentários

Não entendo absolutamente nada acerca de administração hospitalar. Mas entendo, um pouco – dado que a questão é muito mais complexa do que o nome bonito e o lado romântico da coisa –, sobre um conceito que, pasme, é o fundamento de nossa sociedade.

É aquela tal de dignidade da pessoa humana.

O “pasme” foi no sentido não jurídico de que há tempos o conceito é tão repetido ali nas leis e tão difundido como o verdadeiro fundamento para todos os outros princípios do ordenamento, que, ainda assim, na prática, não consegue sair do papel.

É que falar (e só falar) sobre dignidade da pessoa humana é tão bonitinho quanto tentar ensinar a uma criança que ela não deve fazer com o amiguinho o que não quer que façam com ela. E tão ingênuo quanto esperar que essa criança entenda isso desde a primeira vez que lhe é dito e nunca mais faça nada com o amigo que não gostaria que lhe fosse feito.

E se alguém duvida da comparação um pouco simplória e do fato de que não temos ideia do que seja tratar esse tal de ser humano com real dignidade é só olhar em volta, nesse grande raio que existe além dos 20 centímetros que rodeia nossos umbigos.

Basta andar pelas ruas e se deparar com um sujeito que, ao lhe ver entrar na farmácia, pede-lhe que compre fraldas para seu filho quando, na verdade, ele não é pai e vai vendê-las no bairro ao lado para ganhar um trocado. O gerente da farmácia lhe alerta sobre o “golpe” e você, que queria ajudar quase desiste, mas lembra que não há dignidade para quem precisa se valer dessa pequena mentira porque, se contar a verdade (aquela que tem a ver com questões ligadas à exclusão e à falta de oportunidade) não vai comover ninguém a lhe dar um tostão, seja para aliviar a desgraça da vida em uma birita, seja para comprar um pão além daquele que lhe é dado todos os dias, depois de amassado pelo diabo.

Basta, ainda, entrar em uma UTI em horário de visita para olhar nos olhos de quem está no auge da fragilidade e, independente da idade, sente medo igual uma criança. O tempo da visita acaba e você precisa sair, deixando ali um ser humano que não precisa só de remédio e cuidado hospitalar, precisa da tal dignidade que lhe insiste em faltar porque a administração não permite acompanhantes. Sim, porque o que importa é cuidar da saúde do enfermo, esquecendo que corpo é feito de célula e de alma. E para quem não acredita nela, poderia, ao menos, lembrar que a gente pensa e a consciência que está ali bem acordada fica, no auge da sensibilidade, sem a dignidade de sequer ter um ente querido por perto, nem que seja para lhe segurar a mão para acalmar o coração.

Mais curioso, ainda, é quando se trata de uma UTI Coronária. Ou seja, pretende-se cuidar desse órgão que vive ali no peito esquecendo que se a cabeça vai mal, na angústia de se estar ali sozinho no momento em que mais se precisa de apoio, o primeiro a sentir é o próprio órgão objeto de cuidado, agora, totalmente desamparado.

Se ainda há dúvidas de que não fazemos a menor ideia do que seja, na prática, o conceito de dignidade da pessoa humana, é só lembrar que, se a crise aperta para uns, que precisam segurar o cartão e deixar de comprar a nova bolsa da estação, a crise anda engolido muitos outros, que perderam a esperança porque não têm mais cartão ou qualquer tostão para comprar o leite da criança.

Mas como diria a sabedoria popular, pimenta no tempero dos outros é refresco.

Por isso, enquanto não se olhar para o prato alheio e sentir, de verdade, o gosto amargo que o outro tem que engolir para continuar a existir, a tal da dona dignidade da pessoa humana continuará a ser, ou bonita ali no papel do contrato, ou coisa de eco-chato.

Perdão se o texto ficou pesado, é que, de fato, às vezes fica difícil engolir a seco, a verdade nua e crua que fica ali servida no nosso prato: não sabemos cuidar da única coisa que realmente importa, que dá sentido a tudo, que é o fim em si mesmo, ou que deveria ser: NÓS.

Por_que_nao_sabemos_cuidar_de_nos
Patrícia
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Comentários
  1. Teresinha - 25/02/16 - 08h23

    É verdade, Pata !Seu texto,com esta reflexão tão profunda,me impressionou Você vai longe!
    Beijos

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